O livro de Mariana Serrano e Amanda Claro, sobre Vidas LGBTQIA+, tem o grande mérito de, já no subtítulo e no sumário, nos conclamar a respeitar os direitos humanos por intermédio de maravilhosamente ácido bom humor (e a rirmos da desgraça que assola nosso mundo), sugerindo um pouco de estudo e reflexões para não sermos idiotas. Já este subtítulo mostra a leveza do livro, ao trazer de forma leve e descontraída um tema importante para os direitos humanos das minorias sexuais e de gênero (LGBTQIA+), cuja desconsideração causa, no mínimo, irritação e/ou incômodo e, em muitos casos, angústia e sofrimento. Tentarei, neste prefácio, seguir no mesmo estilo, com as limitações do meu jeito levemente formal (que, de forma assustadora para mim, é descrito sem o termo “levemente” por muitas pessoas).
Por um lado, a internet e as redes sociais tiveram um efeito muito positivo para minorias e grupos vulneráveis, como se constata pelo livro Longe da Árvore. Pais, filhos e a busca da identidade, de Andrew Solomon. Nesta obra, o autor analisa diversas minorias vulnerabilizadas por preconceitos sociais e aponta como as redes sociais nos ajudaram a encontrar redes de apoio e solidariedade, por permitirem contato com pessoas com características similares às nossas, que sofrem opressões e angústias parecidas e podem, assim, ser um bom ouvido amigo. Isso, realmente, é algo que ajuda muito, especialmente adolescentes e jovens (para que não sofram o problema da exclusão digital): lembro-me bem da angústia de, como jovem gay, morando na cosmopolita cidade de São Paulo, mesmo adulto (a partir do ano 2000), eu não fazia a menor ideia de onde procurar bares gays (e LGBTQIA+ em geral) onde pudesse conhecer outros homens gays visando relações afetivas, amizades etc. Para as pessoas mais novas, vale destacar que foi no início dos anos 2000 que a internet começou a se popularizar, saindo da lentíssima internet discada, numa época em que ainda não havia nem perspectiva (para o grande público) de internet via aparelhos celulares (que, quando surgiu, era cara, no modelo de celulares pré-pagos, já denunciando de vez minha idade!). Imagine-se como era antes disso, só com algumas poucas revistas nos dando algumas pistas de onde poderíamos encontrar pessoas iguais a nós (ou, melhor dizendo, com características equivalentes e que pudessem nos entender, ao contrário da sociedade em geral, por força do preconceito estrutural, institucional, sistemático e histórico que nos assola).
Contudo, as redes sociais trouxeram também o outro lado da moeda, da altamente positiva democratização mundial dos discursos, pois acabou permitindo a difusão de discursos de ódio e de incitações ao preconceito e à discriminação em geral.
Vivemos tempos difíceis para quem leva os direitos humanos a sério (e para quem leva qualquer coisa a sério, ainda mais o Direito como um todo). De forma talvez um pouco grosseira, Umberto Eco (in memorian) disse que as redes sociais deram voz aos imbecis, para problematizar o fato de que, se antes conversas pautadas nos mais puros achismos ficavam isoladas em mesas de bar, agora as mesas de bar ganharam o mundo, com a internet e o fenômeno das redes sociais. Umberto Eco se incomodou com o fato de as redes sociais terem dado a um cidadão comum o mesmo direito de fala que um ganhador do Prêmio Nobel.[i] Eu sempre digo que não vejo problemas em uma pessoa que nunca estudou uma linha sobre determinado tema queira debatê-lo com quem quer que seja, mesmo com uma pessoa que ganhou um Prêmio Nobel, afinal, seria elitista e mesmo higienista negar o direito ao debate a qualquer pessoa. O que vejo como o grande problema são as pessoas quererem que o seu achismo iletrado, que não leu nenhuma página sobre coisa alguma, tenha o mesmo peso que a opinião de uma pessoa ganhadora de um Prêmio Nobel. Não à toa, um meme consideravelmente difundido aponta que o inferno do(a) estudioso(a) é ter que discutir o tema do seu Doutorado com uma pessoa que está querendo dialogar “de igual para igual” unicamente a partir de seu facebook (imagine as redes sociais em geral). Aí está o ovo da serpente e o grande problema do mundo contemporâneo, ou talvez o grande problema da humanidade desde sempre, agora potencializado à milésima potência (ou mais) e/ou, pelo menos, publicizado pela internet em geral e pelas redes sociais em especial: as pessoas quererem debater sobre tudo, pautadas no seu mais puro e simples achismo (até aí, tudo bem), querendo que sua opinião sem estudos tenha o mesmo peso da opinião de quem estudou profundamente o tema...
Para piorar, o mundo contemporâneo vive há algum tempo uma onda de direita reacionária (e não meramente “conservadora”) ganhando eleições diversas em variados países, o que é problemático porque tem feito diversas pessoas se acharem “legitimadas” a bradar seus preconceitos pautados em sensos comuns e nos mais puros e simples achismos, a pretexto de “liberdade de expressão”. Realmente, embora não permita a difusão de fake news, discursos de ódio e injúrias em geral (sendo inacreditável que muitas pessoas não saibam disso e outras não queiram se dar conta disso), a liberdade de expressão permite que pessoas divulguem ideias equivocadas e sejam até grosseiras e deselegantes, embora isso não signifique que se permita a difusão de fatos sabidamente inverídicos sobre outras pessoas ou a difusão sem provas de acusações graves a outras pessoas (é inacreditável que cause alguma polêmica). Ocorre que não é porque você pode, até legalmente, fazer algo, que você deva fazer este algo, e difundir ideias simplórias, pautadas em senso comum, ao menos estando ciente de que não correspondem com estudos sérios sobre o tema (quando não gera ilicitude por fake news difamatórias), no mínimo correspondem a atitudes que violam a ética e que não deveriam ser praticadas. Mas, esse é um parêntese que não cabe continuar desenvolvendo aqui.
Voltando a dialogar com o título deste belo livro, pode-se dizer, parafraseando Nelson Rodrigues, que a ignorância perdeu a modéstia, a humildade de vários milênios, porque são as pessoas ignorantes as que mais berram, donde se antes o silêncio era dos e das ignorantes, agora são os e as melhores que emudecem[ii]. E isso, parafraseando outra maximalista, temor de que as pessoas ignorantes dominarão o mundo, não por merecimento, mas porque são muitas. Um imã de geladeira reverbera esse lamentável ethos que nos assola, ao dizer que difícil não é matar um leão por dia, mas desviar das antas (!). É absolutamente inacreditável como as pessoas querem continuar aferradas a suas crenças, mesmo quando se prova a elas que as mesmas estão erradas. Isso porque, embora nas chamadas ciências humanas, como as ciências sociais, pessoas racionais e de boa-fé possam legitimamente discordar sobre qual é a correta interpretação de determinado fato, tenho dito recentemente que os requisitos de racionalidade (que não se confunde com “racionalização”) e de boa-fé já afastam uma série de terraplanismos argumentativos e negacionismos em geral.
Em um mundo onde, inacreditavelmente, a resistência a vacinas sempre existiu e voltou a ganhar força, mesmo em uma pandemia com mortes de níveis genocidas (donde merece o qualificativo de “genocida” quem promove políticas negacionistas que obviamente geram muito mais mortes do que se a política das vacinas tivesse sido adotada desde o início), a situação piora demais no tema dos direitos humanos de minorias e grupos vulneráveis, e isso das direitas às esquerdas (partes delas, evidentemente).[iii] Somos acusadas e acusados de “mimimi” (SIC), por pura e simplesmente não aceitarmos que condutas tidas no passado como “brincadeiras inocentes” (SIC) continuem sendo praticadas no presente.[iv]
Daí a ideia deste belo livro: numa linguagem agradável, tentar explicar conceitos aparentemente complexos para o senso comum da sociedade, visando uma educação em direitos humanos. Um intuito louvável que tem tudo para dar certo, se a obra for bem difundida – algo difícil num país sem hábito de leitura, mas se o livro chegar a formadoras e formadores de opinião, isso já pode, oxalá, ajudar na educação dos direitos humanos da diversidade sexual e de gênero. Tentarei dialogar com algumas ideias do livro, citando- -as, e trazendo desenvolvimentos próprios. Haverá pequenos spoilers, mas prometo que a riqueza da obra valerá sua leitura a despeito disso! O primeiro tópico do livro já faz uma ótima relação: um pequeno passo para a pessoa aliada, um grande salto para a humanidade. Chama-se a atenção para o curtíssimo lapso de poucos dias entre a ida do ser humano à Lua com a Revolta de Stonewall, de 1969, grande marco da história contemporânea dos direitos da população LGBTQIA+, que deu origem às atuais Paradas do Orgulho LGBTQIA+.[v] E já fazem reflexão importante sobre igualdade e equidade, esta como uma forma de concretizar aquela: não desta forma, mas numa lógica equivalente a famosa máxima de Boaventura de Souza Santos: temos o direito à igualdade quando a diferença nos inferioriza, temos o direito a diferença quando a desigualdade nos descaracteriza.[vi]
No Direito das Minorias e Grupos Vulneráveis, baseado no critério da autoidentificação, a pessoa tem o direito de se assimilar à maioria, se esse for o seu desejo (se a maioria a aceitará, é uma outra questão, que perpassa a questão da luta pelos direitos humanos), e tem o direito de ser respeitada em sua individualidade, em sua diferença, se essa for a sua vontade. Além de ter sua diferença considerada em políticas públicas pautadas por ações afirmativas, destinadas a tratar desigualmente grupos sociais em históricas situações desiguais para o fim de superação desse histórico de discriminação (quem não concorda e acha isso “inconstitucional”/sic, que vá estudar o que o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a constitucionalidade das cotas raciais e sociais nas universidades e concursos públicos – ADPF 186 e ADC 41). Somos tão humanos como a maioria héterocis, permitindo-me paráfrase de trecho posterior desta bela obra, mas precisamos superar as expectativas (heterocisnormativas) criadas sobre nós para conseguirmos viver plenamente nossas vidas, em nossa diversidade sexual não-heterossexual e de gênero nãocisgênera/transgênera. Reconhecendo nossos privilégios sobre outros grupos também vulneráveis/vulnerabilizados (o que as autoras bem lembram é que ter tais privilégios não significa uma vida “fácil” ou sem preconceitos), para assim conseguirmos nos unir, em lutas interseccionais, em prol do fim de todas as opressões.
Esse é o tom que marca o início do livro, com seus belos desenvolvimentos próprios, embora sejam desenvolvimentos também dramáticos, ao tratarem da questão de nosso desejo por uma longa vida, muitas vezes interrompida por traumáticas mortes ocasionadas por crimes de ódio homotransfóbicos (LGBTQIA+fóbicos).[vii] Sem falar em outro tema que é, muitas vezes, não percebido por ativistas LGBTQIA+: reformas trabalhistas e previdenciárias em geral tendem a prejudicar a população LGBTQIA+ e outros grupos vulneráveis (como pessoas negras, com deficiência etc.), porque somos relegadas e relegados, normalmente, a lugares subalternos na sociedade. Em São Paulo, por exemplo, ficou famoso que empresas de telemarketing contratassem pessoas LGBTQIA+, mesmo pessoas trans, tão discriminadas no mercado de trabalho em geral, pela natureza da atividade não envolver contato visual o que teoricamente evitaria que essas empresas “perdessem clientes” por homotransfobia destes(as): são empresas terceirizadas, que pagam pouco (normalmente, um salário-mínimo), em condições de trabalho precárias (a sociologia do trabalho prova que trabalhos terceirizados normalmente são os com maiores índices de acidentes do trabalho etc.).
E tudo isso sem falar na discriminação por orientação sexual e identidade de gênero no mercado de trabalho em geral, que, muito bem lembrada pelas autoras, oprimem as pessoas LGBTQIA+, levando-as a não assumirem sua orientação sexual ou identidade de gênero: aliás, o CFP – Conselho Federal de Psicologia peticionou no STF (na ADO 26) precisamente apontando os danos psicológicos que a homofobia e a transfobia causam à população LGBTQIA+. Já é sabido que pessoas LGBTQIA+ assumidas no ambiente de trabalho, sem medo de discriminações, produzem mais, donde a homotransfobia gera problemas ainda numa perspectiva utilitarista, para quem não tiver a decência de entendê-la como um mal em si mesma pelos danos que causa à população LGBTQIA+.
Para aprendermos com viagens passadas, as autoras citam e problematizam o (famoso?) boneco do gênero, ajudando na fixação de conceitos básicos, como um mapa seguro para novas viagens, os traz de forma fixa, como numa metafísica ontologia, que não é tão simples quanto parece. Até entendo que ele pode ajudar em termos de uma introdução ao tema, para superar sensos comuns certamente muito piores, mas apenas numa lógica de orientação sexual e identidade de gênero for dummies (para iniciantes, para ser bonzinho na tradução). As autoras muito bem problematizam de maneira crítica os estereótipos de gênero fruto das normas de gênero[viii] oriundas da ideologia de gênero heterocisnormativa e machista que assola nossa sociedade.[ix] Da mesma forma que muitas viagens ajudaram a formar aquele mapa básico, novas viagens podem ajudar a melhor especificá-lo/desenvolvê-lo. Parece-me que a ideia das autoras é evitar novos aprisionamentos conceituais em “caixinhas fixas”, incentivando a Academia a dialogar com a realidade dos movimentos sociais e das pessoas em geral, ao invés de, metafisicamente, criar conceitos fechados e asfixiantes que acabam oprimindo quem “ousa” viver sua vida plenamente, de forma distinta deles. Chega de falar sobre nós sem nossa participação na condução dos estudos, para parafrasear uma crítica comum de ativistas (trans, por exemplo), a respeito de estudos sobre os grupos sociais dos quais fazem parte sem que a condução deles seja feita também por integrantes de tais grupos sociais. Considerando que a matriz heterossexual (e cisgênera) oprime “tudo que nela não cabe”, obviamente o boneco de gênero, em sua pretensão inclusiva, não pode ser utilizado/compreendido de forma fixa e essencialista de modo a servir como mecanismo de opressão a quem nele não se enquadra.
Com a compreensão da rica diversidade humana para além de binarismos excludentes está tudo pronto para o lançamento. Para tanto, as autoras cumprem a importante tarefa de nomear fenômenos, dando os devidos contornos a todas as normatividades, que visam impor “à sociedade um certo padrão de comportamento que é considerado normal, trazendo sofrimento a todas as pessoas que não se enquadram”. Assim, iniciam com as noções de heteronormatividade, de cisnormatividade e de falocentrismo (machismo), que têm, como consequência, que “todas as pessoas que não [o são] experimentam situações de marginalização de diferentes espécies e gravidades” por não cumprirem as expectativas sociais decorrentes da exigência de heterossexualidade e cisgeneridade compulsórias, bem como da machista pretensão de supremacia do homem sobre a mulher (aquela que “ousa” exigir a igualdade de gênero, sem aceitar a dominação ou inferiorização das mulheres relativamente aos homens). O drama de “sair do armário” é bem exemplificado pelas autoras, que destacam o quanto pessoas LGBTQIA+ acabam se esforçando por muito tempo para “serem” heterossexuais e cisgêneras mesmo sem sê-lo de fato, para tentar fugir de estigmas sociais, antes de aceitarem sua identidade sexual não- -heterossexual ou sua identidade de gênero transgênera. Bem apontam que tentativas de classificação de casais do mesmo gênero com perguntas absurdas sobre “quem é o homem/a mulher” da relação configuram uma profunda homofobia ou bifobia estrutural de quem pergunta, como fica evidente no livro. Bem problematizam a noção de que a maioria poderia se impor diante de minorias, pois, como bem diz o Ministro Roberto Barroso em sede doutrinária, não é porque você tem oito católicos e dois muçulmanos em uma sala que o primeiro grupo pode deliberar e jogar o segundo pela janela.[x] Democracia supõe que a vontade da maioria não desrespeite direitos básicos das minorias, que são aqueles positivados na Constituição e nos tratados internacionais de direitos humanos, o que é a teoria mais conservadora, porque pautada no positivismo formalista.[xi]
Sobre a cisnormatividade bem criticada pelas autoras, complemento com uma reflexão que sempre cito. No Direito de Famílias “clássico”, há uma terminologia anacrônica (e horrível) que classifica o homem-marido como “cônjuge-varão” (por referência ao genital masculino) e à mulher-esposa como “cônjuge-virago” (idem). Isso remete à época do isomorfismo, em que se acreditava que a humanidade era formada unicamente pelo “sexo masculino”, de sorte que a mulher seria um “homem invertido” – ou seja, a “virago” como a versão “invertida” do “varão” (sic). Tudo isso justifica a lição das autoras, no sentido de que a “regra” pela qual quem nasce com pênis seria um “homem” e quem nasce com vagina seria uma “mulher” é uma regra que “é social e não está inscrita em lugar algum da natureza”. Afinal, ninguém nunca duvidou que as pessoas que nascem com útero e vagina são aquelas que podem engravidar, “dar à luz” (parir) filhas e filhos, mas mesmo assim, por séculos, a humanidade acreditou que o “sexo biológico” era único, “masculino”, e que a mulher seria um “homem invertido”. Eis a razão de Simone de Beauvoir, quase no fim do primeiro volume do seu famoso O Segundo Sexo, afirmar que por mais que não desconsidere a importância da biologia na vida das pessoas, o que se nega é que ela traga um destino imutável a este ser castrado que se convencionou chamar de mulher. Parece-me muito evidente que Beauvoir está dialogando com o paradigma do isomorfismo, posteriormente substituído pela crença atual do dimorfismo, pelo qual a humanidade é dividida em “dois sexos biológicos”.
É por isso que Judith Butler, em seu clássico Problemas de Gênero, afirma que mesmo o “sexo (biológico)” é um conceito cultural generificado, entendido por intermédio das normas culturais de gênero. Isso não significa que se negue que meninas cisgênero menstruam e engravidam – ninguém nunca negou isto, e quem nos acusa disso demonstra sua profunda ignorância nesta ilação puramente idiota. O que Butler aponta é que a divisão da humanidade em “dois sexos biológicos”, tendo como “diferença fundamental” os órgãos reprodutivos, decorre de uma construção cultural que substituiu o anterior paradigma do isomorfismo pelo do dimorfismo. Essa questão, como se vê contraintuitiva ao (péssimo) ensino contemporâneo, é tratada pelas autoras com muito mais leveza, relativamente a esta minha explicação, e por isso elas concluem: “quando falamos em uma normatividade cisgênero (ou cisnormatividade), estamos falando de todo esse conjunto de regras e valores que pressupõe que todas as pessoas estejam de acordo com a designação sexual que lhes foi atribuída – o que não dá conta da nossa complexidade humana”. E complemento: mesmo na atualmente problematizada compreensão de Beauvoir, de “sexo” como algo que vem da Natureza e “gênero” como algo que vem da cultura, a heterocisnormatividade acaba por desconsiderar essa noção, já socialmente incorporada, de que as identidades de gênero decorrem de compreensões subjetivas culturais (das pessoas individuais em questão) e não da Natureza. Ou seja, a heterocisnormatividade confunde até mesmo os conceitos que supostamente diz conhecer, de “sexo” (“Natureza”) e gênero (“Cultura”), na sua pretensa (e simplória, opressora e equivocada) defesa da primeira e demonização do segundo.
Diferencial do livro na questão da cidadania das pessoas assexuais, ao tratarem da alonormatividade, “termo utilizado para descrever o padrão social que impõe às pessoas que elas sejam alossexuais, ou seja, não-assexuais”. É um tema ainda objeto de pouca atenção mesmo dos Movimentos Sociais. Sempre digo que nós, LGBTQIA+, não podemos cair no erro da sociedade heterocisnormativa e simplesmente patologizar as identidades assexuais simplesmente por não entendê-las (que não a entende). Afinal, foi isso que pessoas heterossexuais e cisgêneras tradicionalmente fizeram com pessoas LGBTQIA+ (alossexuais). A pessoa não é assexual “necessariamente” por alguma espécie de “trauma” ou “condição patológica” qualquer, como o senso comum aparentemente ainda crê, na sua mais pura ignorância. Há pessoas que simplesmente não sentem desejo sexual por outras e devem ser respeitadas enquanto tais, enquanto outras sentem atração romântica/afetiva, mas não sexual. Sem falar outras, denominadas demissexuais, que só sentem atração sexual por pessoas pelas quais sentem atração afetiva concomitante. Se as próprias pessoas informam ser esta sua identidade e seu desejo (ou sua falta dele), por qual motivo alguém poderia disto duvidar? É este o tema trabalhado pelas autoras quando falam brevemente da alonormatividade, que é um belo diferencial desta maravilhosa obra – e pelo amor da Deusa (!), peço às pessoas não-assexuais que jamais, em hipótese nenhuma, se refiram às pessoas assexuais como “assexuadas” (sic), pois este é um termo da biologia vinculado ou à falta de órgãos sexuais, ou à desnecessidade de diversidade de sexos para a reprodução. Ou seja, é um termo desumanizante das pessoas assexuais que deve ser evitado a todo custo, por obviamente ofensivo (o que menciono por relatos de pessoas assexuais indignadas com essa confusão pautada em pura ignorância).
A obra também se diferencia do que normalmente se publica sobre diversidade sexual e de gênero ao tratar da mononormatividade, ou seja, “o padrão social que impõe às pessoas que sejam monossexuais, ou seja, que se relacionem sexual e/ou romanticamente exclusivamente com pessoas de determinado gênero”. Trata-se da normatividade que gera a bifobia (e a panfobia, para pessoas que entendem que a bissexualidade estaria limitada ao binarismo de gêneros, enquanto a pansexualidade traria a atração independente de gêneros, o que eu, um homem gay, considero uma simplificação equivocada da bissexualidade, embora sempre caiba lembrar que, em termos de Direito das Minorias, deve-se chamar a pessoa pela forma como ela se identifica, como algo necessário ao respeito à sua identidade individual). Daí as autoras criticarem as expressões “relacionamentos gays, lésbicos ou em relacionamentos heterossexuais”, já que as pessoas que integram tais relacionamentos podem ser bissexuais (ou pansexuais). As autoras não falaram do tema, mas apenas ressalto que, sem discordar da evolução terminológica, quando se fala em relacionamento “homoafetivo/homossexual”, o que se quer dizer é um relacionamento “entre iguais”, no sentido de pessoas do mesmo gênero, não obstante o termo denote pessoas “homossexuais” e, nesse sentido, no mínimo por simbologia, as autoras estão corretas na problematização que fazem em prol de terminologias que não denotem, ainda que sem intenção, a bifobia/panfobia.[xii]
De forma didática, as autoras conceituam as identidades assexual, demissexual, bissexual, pansexual, polissexual, homossexual e heterossexual, em termos de distintas orientações sexuais, bem como as identidades cisgênero, transgênero, transexual e travesti, em termos de identidade de gênero, além das pessoas intersexo e não-binárias. Confesso ter ficado surpreso com as autoras afirmarem que o termo transexual estaria “caindo em desuso”, por perpetrar uma “confusão entre gênero e sexualidade”. Sem discordar que o termo, no sufixo “sexual”, parece querer denotar “sexo biológico” ao invés de “identidade de gênero” (e aqui há, realmente, a confusão bem destacada), não me parece que seja este sufixo ou o termo em geral que tenha alguma culpa pela Medicina (“institucional”) ter patologizado as identidades trans. Elas teriam sido patologizadas de qualquer forma, pelo cissexismo social que nos assola. Por outro lado, pessoas transexuais (binárias), que se identificam com o gênero oposto àquele que lhes foi atribuído, ao nascer, em razão de seu genital, parecem continuar se identificando com os termos “transexual” e “transexualidade”, especialmente ativistas transexuais. Seja como for, é uma reflexão interessante que merece atenção das pessoas leitoras. E as autoras estão certíssimas ao conclamar a sociedade ao respeito ao nome social das pessoas trans, da mesma forma que respeitamos os “apelidos” informais que pessoas cisgênero adotam e ninguém questiona o direito de elas serem respeitadas por eles.
Sobre as pessoas intersexo, as autoras bem conclamam a sociedade a abandonar o termo “hermafrodita”, por equivocado e desrespeitoso. Embora tenha uma origem aparentemente fofa, vinculando-se a “Hermes” e “Afrodite”, da mitologia grega clássica, é um termo que adquiriu um sentido social altamente pejorativo, que muito machuca as pessoas intersexo. Então, novamente, em termos de Direito das Minorias, o direito subjetivo ao respeito às identidades pessoais, enquanto direito da personalidade, conclama que não se utilize um termo que se sabe pejorativo (e se você discorda de ser pejorativo, guarde sua equivocada compreensão para você, sem fazer a pessoa ouvir um termo que você sabe que a machuca – simplesmente, vá estudar e/ ou respeite a autoidentificação da pessoa, sob pena de, no mínimo, dano moral indenizável).
No mais, vale dizer que as pessoas intersexo lutam pelo direito humano à autodeterminação de gênero, contra as cirurgias mutiladoras feitas nos bebês intersexo, ao nascerem. É uma cirurgia mutiladora em bebês intersexo e não em pessoas trans adultas que desejam realizá-las porque estas as realizam no auto de sua autonomia da vontade, o que obviamente não ocorre com bebês intersexo. Já tivemos duas audiências públicas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre direitos das pessoas intersexo nesta segunda década do Século XXI (da era cristã), onde estas conclamaram pelo respeito ao seu direito à diversidade corporal, contra opressivas cirurgias normalizadoras de seus corpos aos padrões sociais normativos do dimorfismo compulsório, denunciando os danos que tais cirurgias lhes causam e a plena naturalidade das diversas intersexualidades. Dos mais de quarenta tipos de intersexualidades, ativistas intersexo apontam que a grande maioria dos casos não demanda cirurgia para preservação da saúde clínica do bebê. O tema é dramático, porque pessoas intersexo adultas relatam que suas famílias não lhes contaram acerca da intersexualidade, que só descobriram muito tempo depois de adultas, o que obviamente é uma violação de seu direito de identidade pessoal, enquanto clássico direito da personalidade – lembrando-se que os direitos da personalidade são decorrências do princípio da dignidade da pessoa humana, que notoriamente considera o ser humano enquanto um fim em si mesmo e não um meio para a consecução de outros fins. Logo, pessoas intersexo não podem ser instrumentalizadas, para terem seus corpos opressivamente “normalizados”, como meio para atender a pretensão ideológica de puro dimorfismo biológico, fechando os olhos à realidade objetiva da naturalidade das diversas intersexualidades.
No Brasil, foi recentemente fundada a ABRAI – Associação Brasileira de Pessoas Intersexo, com a qual tenho bons diálogos e pude contribuir um pouco até hoje. Ela está em diálogos com o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, sobre direitos de registro civil dos bebês intersexo. Eventualmente, dialogaremos com o CFM – Conselho Federal de Medicina, visando a revogação da atual Resolução 1.664/2003, que patologiza as identidades intersexo no Brasil e autoriza as cirurgias mutiladoras. Sempre cito que me surpreende o sincericídio do CFM na Justificativa de tal Resolução, na qual, em síntese, ele reconhece que, por mais científicos que sejam os critérios utilizados, não há como garantir que a pessoa intersexo terá uma identidade de gênero compatível com o sexo cirurgicamente construído para ela, enquanto bebê. Bem como, continuou o (neste ponto) sincericida CFM, embora haja pessoas (certamente, ativistas intersexo!) que conclamam para que se espere a pessoa crescer para decidir por conta própria se deseja a cirurgia, não há estudos que apontem as “consequências” psicológicas, sociais etc. disso. Sempre digo que um dia descobrirei uma maneira formal de dizer, em notificação extrajudicial, que é claro que não há tais estudos, pois vocês (médicos/as) mutilam os bebês intersexo, inviabilizando que cresçam de acordo com sua intersexualidade biológica! Espero que os diálogos sejam frutíferos, mas, se não forem, certamente judicializaremos também este tema, até porque os direitos das pessoas intersexo configuram grande lacuna da luta dos direitos LGBTQIA+ no Brasil. Sendo que, embora seja um tema que abarque a biologia e a diversidade corporal, é também um tema de identidade de gênero, de pessoas intersexo registradas como tendo um “sexo” (sic) com o qual não se identificam em termos de identidade de gênero. Já ouvi ativistas intersexo dizerem que médicos(as) favoráveis às cirurgias mutiladoras em questão apresentam pessoas intersexo que com elas ficaram satisfeitas. Como sempre digo, fico feliz que estas pessoas intersexo estejam satisfeitas com a cirurgia, mas o problema de direitos humanos está nas pessoas intersexo que não estão satisfeitas e que, por isso, corretamente entendem que foram mutiladas, enquanto bebês.
Cite-se que o Tribunal Constitucional Alemão decidiu, em 2017, que o direito humano ao livre desenvolvimento da personalidade, implícito ao princípio da dignidade da pessoa humana, garante o direito humano à autodeterminação de gênero, donde o registro civil deve ter um campo que não apenas “masculino” e “feminino” em termos de sexo, para que a pessoa intersexo decida, quando adulta, com qual gênero se identifica.[xiii] Trata-se do mesmo fundamento que fez a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconhecer o direito de pessoas transgênero mudarem prenome e sexo no registro civil independente de cirurgias, laudos e ação judicial (o direito humano ao livre desenvolvimento da personalidade).[xiv] Se isso é assim para o registro civil, com muito mais razão há de sê-lo em termos de diversidade corporal e integral proteção do bebê intersexo, enquanto pessoa intersexual – o princípio da integral proteção da criança obviamente deve ser interpretado como exigindo respeito à criança LGBTI+ em sua orientação sexual não-heterossexual, identidade de gênero não-cisgênera e intersexualidade, conforme o caso.
Cite-se, por oportuno, que falar que “criança é criança, e não hétero ou LGBTI+” implica em uma idealização metafísica que, na prática, trata a criança como heterossexual, cisgênera e não-intersexual, trazendo prejuízos a estas. A criança LGBTI+ existe, bem diz o mote do Movimento Mães pela Diversidade há anos: da mesma forma que achamos normal o afeto lúdico entre crianças de gêneros opostos em termos de namoro (andar de mãos dadas, dar beijinhos no rosto etc.), há crianças que têm o mesmo afeto lúdico por outras do mesmo gênero (crianças LGB+), assim como há crianças que se identificam com o gênero oposto àquele que lhes foi atribuído ao nascer (crianças trans),[xv] além das crianças intersexo. Quem age de forma ideológica, no sentido pejorativo de adotar uma crença que contraria a realidade objetiva (o “mundo real”) é quem nega o fato objetivo/empírico da existência de crianças LGBTI+.
As autoras finalizam sua explicação sobre estas identidades sexuais e de gênero bem afirmando que “Nenhuma denominação aqui proposta tem o objetivo de dizer que as pessoas LGBTQIA+ devem se limitar a elas e permanecerem fixas nessas ‘caixinhas’. Temos o objetivo de demonstrar que já existe tanta gente fora do padrão cis-heteronormativo quanto são as estrelas do universo, então já passou da hora de nos voltarmos para o reconhecimento e a legitimação”. Isso me remete a um debate próximo: a questão das lutas identitárias e das lutas queer. Ao lado dos estudos feministas, surgiram os estudos gays e lésbicos, posteriormente especificados em estudos de outras identidades sexuais e de gênero. Normalmente, são pessoas que assumem determinadas identidades específicas que estão na militância, ao menos institucionalizada, pela luta por direitos perante os poderes políticos (Executivo e Legislativo) e perante o Judiciário. São pessoas que fazem absoluta questão de serem identificadas por aquelas identidades específicas. Eu, por exemplo, sou um homem gay, ou seja, faço absoluta questão de ser reconhecido como homem (logo, tratado no masculino nas relações sociais em geral), e como tendo a orientação sexual homossexual, enquanto homem gay. Tenho o direito de ser respeitado enquanto tal e dessa forma, e disso ninguém duvida, muito menos as maravilhosas autoras da obra objeto deste prefácio.
Aparentemente, o grande problema da militância “identitária” (sic) foi o de lutar por identidades específicas, gerando a “consequência” de não se reconhecer direitos a outras identidades. Há uma crítica comum de que, ao reconhecer direitos a determinada identidade ou situação, se estaria “implicitamente negando” direitos a outras situações. Essa crítica só é correta em alguns contextos, sendo simplesmente absurda e indefensável quando aplicada a leis e decisões que reconhecem direitos a determinado grupo, sem nada falar sobre negar direitos a outro grupo. Por outro, a decisão do STF que reconheceu direitos a pessoas transgênero mudarem nome e gênero no registro civil independente de cirurgia, laudos e ação judicial (ADI 4275 e RE 670.422/RS) em nenhum momento “negou” direito a pessoas não-binárias (como já vi ser ironizado por pessoas que têm verdadeiro fetiche em demonizar o Judiciário, mesmo quando ele acerta). As ações foram movidas por demanda do Movimento Transexual (falavam sobre pessoas “transexuais” especificamente), conseguimos (por insight da maravilhosa Maria Berenice Dias, advogada de um dos processos, o RE 670.422/RS) estendê-la às travestis, pelo uso do termo transgênero, e o STF reconheceu o direito das pessoas transexuais e travestis ali. A questão dos direitos de pessoas não-binárias demandaria ação judicial própria, já que ali se discutia os direitos das pessoas transexuais, com notável inclusão das pessoas travestis pelo uso do termo transgênero, como questão de ordem e de fato suscitada da Tribuna por Maria Berenice Dias e (na esteira dela) por mim, o que depois trabalhei em memorial no processo. É inacreditável que profissionais do Direito façam críticas que aparentem ignorar que o Judiciário está vinculado aos pedidos que lhe são formulados, donde concede apenas aquilo que lhe foi expressamente requerido. Reconhecer direitos a um grupo sem negá-los a outro não pode seriamente ser dito como negando direitos a este outro grupo.
Logo, a crítica em questão é válida quando um grupo pleiteia reconhecimento de direitos pretendendo negá-los a outros grupos (e a decisões que concedem direitos a um grupo, expressamente negando-os a outro, o que não ocorre quando não tratam do tema dos direitos deste outro grupo). Por exemplo, (a crítica é devida a) homens e mulheres gays e bissexuais, que lutam contra a discriminação por orientação sexual, mas que teratologicamente defendem a discriminação por identidade de gênero contra pessoas trans. Essa situação é tão grotesca que me choca em níveis transcendentais, já que tais pessoas se apegam numa visão biologizante essencialista que é absolutamente análoga àquela que pessoas homofóbicas (lesbofóbicas e gayfóbicas) e bifóbicas usam contra pessoas LGBTQIA+, atuando pelo mais puro e simples simplismo acrítico de conveniência (a pessoa age de forma simplória porque lhe convém, sem problematizar os problemas e/ou contradições evidentes daquilo que defende).
Seja como for, uma militância queer parece-me aquela que fala em combater discriminações por critérios não-identitários, que abarcam todas as identidades em questão. Queer é um termo inglês que significa “estranho, esquisito, anormal”, um termo originalmente pejorativo que foi ressignificado pelo ativismo de direitos humanos. No caso das minorias sexuais e de gênero, uma lei/decisão queer é a que veda a discriminação por orientação sexual, por identidade de gênero e por expressão de gênero. Sempre digo que o Projeto de Lei de Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero (PLS 134/2018) é um projeto tanto identitário, por citar a igual dignidade jurídica entre heterossexuais [e cisgêneros], de um lado, e pessoas LGBTQIA+, de outro (art. 2º), quanto por visar garantir direitos e reprimir, inclusive criminalizando, discriminações independentemente de “orientação sexual e identidade de gênero” (art. 1º, entre outros). A ideia foi prestigiar tanto as identidades LGBTQIA+ que põe a cara a tapa enquanto tais e lutam pelo fim das discriminações homotransfóbicas (LGBTQIA+fóbicas) contra minorias sexuais e de gênero em geral, ao mesmo tempo em que se punem todas as formas de discriminações por orientação sexual, identidade de gênero e expressão de gênero, sem vinculação a identidades específicas, para não excluir outras pessoas não-heterossexuais e não-cisgêneras da proteção do Direito.
O capítulo final da obra, talvez o de maior importância, visa refutar mitos e algumas expressões lamentavelmente comuns ditas a pessoas LGBTQIA+. Explicam que algumas falas que se pretendem elogiosas são, na verdade, ofensivas ou, no mínimo, são pautadas por pressupostos muito problemáticos. Uma que elas não mencionaram, embora relacionada às primeiras, é a famoso máxima, “nossa, você nem parece gay” (sic). Sempre respondo com um “ah, que pena!”, porque quero ser visto como muito gay. A frase pretende-se “elogiosa”, por denotar que o homem em questão é “masculino”, e não “afeminado” (sic). Isso gera dois problemas de imediato: por que o simples fato de ser “gay” tornaria o homem “menos masculino” (sic) que o homem hétero? E, mais importante, qual o problema de um homem ser “afeminado” (sic)? Aliás, o que é isto, afeminado?! É um padrão social que decorre do machismo, que prega que “homens não choram”, que “homens não podem demonstrar sentimentos” e outros padrões de masculinidade tóxica que são deploráveis e devem ser abandonados. Considerações análogas podem ser ditas sobre as mulheres lésbicas, bem como sobre homens e mulheres bissexuais. É extremamente ofensivo considerar uma pessoa “menos masculina/feminina” apenas por não ser heterossexual (ou cisgênera). Sabemos que muitas vezes isso não é intencional, mas as pessoas precisam estudar, ainda mais em tempos de internet, para saber como os Movimentos Sociais, formados por pessoas que têm uma vida de lutas pelo respeito aos direitos humanos, tratam de tais temas. Evidentemente, há pessoas LGBTQIA+ de fora dos Movimentos Sociais organizados (hegemônicos etc.) que aceitam/querem ser tratadas de outras formas. Ótimo para elas, mas, para as demais, seguir o que diz o Movimento Social que luta por seus direitos e, principalmente, aquilo que elas falam/pedem concretamente para não se sentirem desrespeitadas, ofendidas e/ou magoadas, é o mínimo do mínimo em termos de respeito. Quem discorda disso, merece a máxima popular, coragem, porque noção, nenhuma, versão esta que aprendi da amada amiga Djamila Ribeiro, em sua incessante luta pelo respeito aos direitos humanos das mulheres negras em especial, além das pessoas negras e grupos vulneráveis em geral.
Como mencionado, o intuito deste prefácio foi destacar alguns pontos desta belíssima obra e com ela dialogar. Espero que leitoras, leitores e leitorxs (não-bináries) apreciem esta leitura como eu apreciei, pois se são temas com os quais estou acostumado, apreciei demais a forma descontraída, embora técnica e precisa, com a qual as autoras trataram os temas.
Paulo Iotti
Doutor e Mestre em Direito Constitucional pela Instituição Toledo de Ensino. Especialista em Direito Constitucional pela PUC-SP. Especialista em Direito da Diversidade Sexual e de Gênero e em Direito Homoafetivo. Bacharel em Direito pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie. Professor Universitário e Advogado de Direitos Humanos. Diretor-Presidente do GADvS – Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero. Integrante da Comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da OAB/SP e do IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Famílias. Autor de diversos artigos jurídicos e dos livros Manual da Homoafetividade. Da Possibilidade Jurídica do Casamento Civil, da União Estável e da Adoção por Casais Homoafetivos (4. ed., Bauru: Ed. Spessoto, 2021); Constituição Dirigente e Concretização Judicial das Imposições Constitucionais ao Legislativo... (4. ed., Bauru: Ed. Spessoto, 2021); e O STF, a Homotransfobia e seu Reconhecimento como Crime de Racismo. Análise e defesa da decisão da ADO 26 e do MI 4733 (2. ed., Bauru: Ed. Spessoto, 2021). Atuou (e atua) em processos perante o STF em defesa dos direitos da população LGBTQIA+ e direitos humanos em geral.
[i] V.g.: https://site.oatibaiense.com.br/2019/07/eco-redes-sociais-deram-voz-aos-im-becis/. Acesso: 08/06/2021. [ii] 2V.g.: http://blogs.jornaldaparaiba.com.br/silvioosias/2020/12/21/os-idiotas-perderam-a-modestia-o-imenso-nelson-rodrigues-morreu-ha-40-anos/. Acesso: 08/06/2021. [iii] As direitas, em geral, acham que minorias e grupos vulneráveis, objeto de estigmas sociais, não seriam merecedores da proteção estatal, por suposta “indignidade” de seus modos de ser e viver. Trata-se de puro e simples higienismo reacionário no que tange a grupos vulneráveis que não causam prejuízos a ninguém. Já parte das esquerdas progressistas chamam demandas de minorias e grupos vulneráveis de “identitárias” (sic), como supostamente prejudiciais à “grande luta socialista”, supostamente “dividindo o movimento social” de luta por direitos de trabalhadores. Aprendi com a amada amiga Djamila Ribeiro, feminista negra, que tais pessoas é que são identitárias, pois estão preocupadas unicamente com as discriminações que sofre o trabalhador (homem) branco, cisgênero, heterossexual, sem deficiência, nacional etc, ou seja, a pessoa que é discriminada por sua condição de proletária, mas sem se preocupar com pessoas, mesmo trabalhadoras, que são discriminadas por outras características. É fato notório que mulheres brancas têm salários inferiores a homens brancos, sendo que homens negros recebem menos que mulheres brancas e mulheres negras recebem menos que todos os demais grupos. Só isso mostra como a Interseccionalidade/multidimensionalidade das opressões precisa ser considerada sempre, sendo insensível, arrogante e/ou ignorante fechar-se os olhos a tal realidade. [iv] 4 Volta e meia ainda ouvimos a idiotice de que “o mundo está ficando chato” (sic), que “ninguém mais aceita brincadeira, tudo virou bullying” (sic) e outras teratologias (monstruosidades) tais. Não à toa, o Professor Adilson Moreira, no livro Racismo Recreativo, denuncia como o humor é usado como uma forma de manter grupos sociais historicamente vulnerabilizados pelos preconceitos sociais em lugares subalternos da sociedade, apontando como o humor é usado como uma forma de narrativa cultural que isto gera, seja esta ou não a intenção de quem pratica o humor discriminatório. Complemente-se: liberdade de expressão não é liberdade de opressão, como se falou em diversas Marchas contra a Homotransfobia do Movimento LGBTQIA+, donde, dialogando com a obra do Prof. Adilson Moreira, humor que ofende e causa sofrimento a suas vítimas não pode ser tido como juridicamente válido. [v] Para bela obra recente sobre a história da diversidade sexual e de gênero no Brasil: GREEN, James N. QUINALHA, Renan. CAETANO, Marcio. FERNANDES, Marisa (org.). História do Movimento LGBT no Brasil, São Paulo: Ed. Alameda, 2018. Para obras clássicas: FACCHINI, Regina. SIMÕES, Julio. Na trilha do arco-íris. Do Movimento Homossexual ao LGBT, São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2009; TREVISAN, João Silvério. Devassos no Paraíso. A homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade, Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2018; GREEN, James N. Além do Carnaval. A homossexualidade masculina no Brasil do século XX, 2. ed., São Paulo: Ed. UNESP, 2019; BENTO, Berenice. A Reinvenção do Corpo. Sexualidade e gênero na experiência transexual, Natal: EDUFRN, 2014. Como se vê, são obras que focaram em identidades específi cas, com as lacunas sendo preenchidas por obras posteriores com o passar do tempo, embora outras ainda permaneçam. [vi] SANTOS, Boaventura de Souza. A Gramática do Tempo. Para uma Nova Cultura Política, 2. ed., São Paulo: Cortez Ed., 2006, p. 313. [vii] Talvez eu não devesse usar o termo homotransfobia aqui, porque a coautora Mariana Serrano é uma amada amiga há muitos anos e lembro-me dela, em grupo de whatsapp, ter dito que gostaria de superar o termo homotransfobia, enquanto mulher bissexual. Sempre digo que não se deve criticar o Supremo Tribunal Federal por adotar este termo no histórico julgamento que reconheceu a homotransfobia como crime de racismo, sem “legislar” nem fazer “analogia”, mas enquanto crime “por raça”, no sentido político-social de raça e racismo, apto a abarcar a homotransfobia na interpretação literal dos crimes raciais (“por raça”) (cf. STF, ADO 26 e MI 4733, j. 13.06.2019, item 3 da Tese aprovada). Isso porque eu fui extremamente honrado com oito citações no voto do Ministro Celso de Mello, inclusive quanto ao uso deste termo, também mencionado em outros votos. Sempre explico que, em uma ação perante a Suprema Corte do país, eu não tinha outra alternativa a não ser usar os termos hegemônicos, mais conhecidos. Daí as petições iniciais falarem em “homofobia” e “transfobia”, em dado momento eu tendo adotado o neologismo “homotransfobia” em outras petições, que não fui eu quem criei, mas certamente ajudei a difundir. Nesse sentido, na Academia, transfobia é compreendida como discriminação por identidade de gênero e homofobia é compreendida enquanto discriminação por orientação sexual, donde a bifobia nele engloba por interpretação extensiva (não pela bifobia ser “espécie de homofobia”, pelo amor da Deusa, não, mas pelo jargão jurídico da interpretação extensiva, enquanto ampliação do sentido literal das palavras para se abarcar a ideia a elas subjacentes, por assim dizer – a ideia da discriminação por orientação sexual, neste caso). Por isso, o sentido jurídico do termo homotransfobia abarca toda a LGBTQIA+fobia, sendo que o acrônimo “LGBTQIA+” foi expressamente citado no item 3 da Tese aprovada pelo STF no citado julgamento, precisamente para isto denotar. Seja como for, assumo os ônus desta escolha terminológica, que o STF ratificou. [viii] 8 Partem, inclusive, famosa máxima de Simone de Beauvior, no livro O Segundo Sexo, pela qual ninguém nasce mulher, torna-se mulher, fruto da longa análise pela qual Beauvior, sem negar a importância da biologia na vida humana, nega que ela seja um destino imutável ao ser humano que a sociedade classifica como mulher – não obstante com o enfoque de Judith Butler (e Bruno Laqueur), pelo qual o próprio sexo (“biológico”) é um conceito generificado, no sentido de que “a própria existência do conceito de sexo é decorrente desse sistema de gênero”, porque (parafraseando), já fruto de um sistema de valores que ele médicos(as), ao lado da família, já impõe àquele bebê por força das expectativas a sociedade sobre esse novo ser humano por conta de seu genital, ao nascer. Sem falar que é um sistema que ignora as pessoas intersexo, bem lembram as autoras. [ix] A noção de que o que existe é uma ideologia de gênero heteronormativa, cisnormativa e machista foi ratifi cada pelo STF no julgamento da ADO 26 e do MI 4733, uma vez mais honrando-me profundamente o Min. Celso de Mello com a citação de minha doutrina sobre o tema. Obviamente, certamente não existe o espantalho da “ideologia de gênero” (sic), no sentido defendido por fundamentalistas religiosos(as) e pessoas reacionárias em geral, que defendem ideologicamente a tese da “opção sexual” (SIC), no sentido de que as pessoas “nasceriam” heterossexuais e cisgêneras, mas “escolheriam” uma identidade LGBTQIA+ em dado momento da vida (sempre ironizo isso, dizendo que “deve ser” por um milagre de Santa Cher, no hit, para citar uma piada infame do Movimento LGBTQIA+, sobre a “Igreja de Santa Cher”!). Essas pessoas usam “ideologia” em sentido pejorativo (que curiosamente é o marxista), como “algo contrário à realidade objetiva/empírica”, logo, contrariamente ao “mundo real”. Embora seja um conceito bem problemático nas ciências humanas, da compreensão/ valoração, onde pessoas racionais e de boa-fé podem legitimamente discordar (cf. supra), sempre digo que quem age de forma “ideológica”, no sentido de contrária à realidade objetiva, é quem nega a existência de crianças LGBTQIA+, pois embora não tenham essa terminologia, há crianças que querem namorar de forma lúdica (mãos dadas, beijinhos no rosto etc) com crianças do mesmo gênero, da mesma forma que se acha natural um tal namoro lúdico entre crianças de gêneros opostos (crianças LGB+), bem como há crianças que se identifi cam com gênero distinto daquele que lhes foi atribuído ao nascer (crianças trans). Isso é fato da vida, donde negar isto implica em fechar os olhos à realidade objetiva. [x] BARROSO, Luís Roberto. Ano do STF: Judicialização, ativismo e legitimidade democrática. In: Revista Consultor Jurídico, 22/12/2018. Disponível em: . Acesso: 12/04/2021. No mesmo sentido: BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo, 9. ed., São Paulo: Ed. Saraiva, 2020, p. 472-473: “A maior parte dos países do mundo confere ao Judiciário e, mais particularmente à sua Suprema Corte ou Corte Constitucional, o status de sentinela contra o risco da tirania das maiorias. Há razoável consenso, nos dias atuais, de que o conceito de democracia transcende a ideia de governo da maioria, exigindo a incorporação de outros valores fundamentais. [...] Um desses valores fundamentais é o direito de cada indivíduo a igual respeito e consideração, isto é, a ser tratado com a mesma dignidade dos demais – o que inclui ter os seus interesses e opiniões levados em conta. A democracia, portanto, para além da dimensão procedimental de ser o governo da maioria, possui igualmente uma dimensão substantiva, que inclui igualdade, liberdade e justiça. É isso que a transforma, verdadeiramente, em um projeto coletivo de autogoverno, em que ninguém é deliberadamente deixado para trás. Mais do que o direito de participação igualitária, democracia significa que os vencidos no processo político, assim como os segmentos minoritários em geral, não estão desamparados e entregues à própria sorte. Justamente ao contrário, conservam a sua condição de membros igualmente dignos da comunidade política. Em quase todo o mundo, o guardião dessas promessas é a Suprema Corte ou o Tribunal Constitucional, por sua capacidade de ser um fórum de princípios – isto é, de valores constitucionais, e não de política – e de razão pública – ou seja, de argumentos que possam ser aceitos por todos os envolvidos no debate. Seus membros não dependem do processo eleitoral e suas decisões têm de fornecer argumentos normativos e racionais que a suportem”. Grifos parcialmente nossos. [xi] Cita-se o positivismo formalista em contraposição a jusnaturalismos diversos, que visam reconhecer direitos “suprapositivos”, não obstante o jusnaturalismo possa, também, ser opressor, negando direitos básicos e mesmo a humanidade a pessoas que contrariam o que, de forma totalitária, o grupo hegemônico considera “inerente à natureza humana”. Daí ser correta a noção de que a teoria dos direitos humanos é uma evolução daquela dos direitos naturais, porque aqueles são devidos a qualquer pessoa humana, por sua mera humanidade, mesmo que supostamente contrariem aquilo que seja-lá-quem-for considerar como supostamente “contrário” a esta pretensa (e totalitária) “natureza humana” (sic). [xii] Vi recentemente um artigo falar em relacionamento lesboafetivo, o que obviamente supõe relacionamento homoafetivo entre mulheres lésbicas, uma expressão que, na lógica das autoras, estará correta apenas se for por mulheres que se identifiquem como lésbicas. No Brasil, as mulheres lésbicas, ao menos as ativistas, em geral rechaçam ser chamadas de “homossexuais”, porque embora a homossexualidade abarque tanto lésbicas quanto gays, o termo “homossexual” denota no inconsciente coletivo o “homem gay” (no Brasil, as mulheres lésbicas, ao menos as ativistas, não apreciam serem chamadas de “gays”, ao contrário do que vemos, por vezes, com mulheres dos EUA, por exemplo). De forma equivalente, o termo “transgênero”, embora seja um guarda-chuva que abarca todas as identidades não-cisgêneras, denota a pessoa transexual (apagando as travestis) e o termo “transexual” remete à “mulher transexual”. Daí o Movimento LGBTQIA+ no Brasil falar em “Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos” (além de outras minorias sexuais e de gênero representadas pelo símbolo “+”), com o termo transexuais sendo dividido entre “mulheres transexuais” e “homens trans”. Como se vê, a especificação identitária visa evitar apagamentos de identidades não-hegemônicas mesmo na não-hegemônica comunidade LGBTQIA+, donde, embora seja importante, para fins de diálogos com a mídia e a sociedade em geral, a existência de termos pronunciáveis e uma sigla identitária que não seja de tamanho infinito (daí a boa ideia do “+”), é primordial (e mais importante) não perpetrarmos apagamentos. Uma boa solução (a meu ver) queer é, sem especificar identidades, falar em “minorias sexuais e de gênero”, para abarcar pessoas não-heterossexuais (minorias sexuais, em termos de orientação sexual) e abarcar pessoas não-cisgêneras e mulheres cisgênero (minorias de gênero, em termos de identidade de gênero). [xiii]13 FRITZ, Karina Nunes. Tribunal Constitucional Alemão admite a existência de terceiro gênero (comentário e tradução). In: Civilistica.com, a. 6, n. 2, 2017. Disponível (clicar em “download”) em: . Acesso: 01/11/2020; VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Direito à autodeterminação de gênero das pessoas intersexo. In: DIAS, Maria Berenice (org.). Intersexo, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018. [xiv] 14 CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Parecer Consultivo OC 24/17, de 24 de novembro de 2017. Identidade de Gênero, Igualdade e Não-Discriminação a Casais do Mesmo Sexo. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/docs/ opiniones/seriea_24_por.pdf>. Acesso: 10/09/2020. [xv] 15 A Resolução n.º 2.265/2019 do Conselho Federal de Medicina reconhece a existência de crianças trans, ao permitir o bloqueio hormonal da puberdade, que é absolutamente reversível sem danos à saúde da pessoa, à criança que se entender como pertencente do outro gênero, mediante acompanhamento de equipe multidisciplinar, e a hormonioterapia de adolescentes trans a partir dos 16 anos, o que também é reversível sem danos à saúde da pessoa, na improvável hipótese de “mudar de ideia”. A questão é que o bloqueio hormonal é reversível sem danos à saúde da pessoa, mas a puberdade é irreversível, e pessoas trans adultas têm problemas de saúde decorrentes dos tratamentos que precisam adotar para adequar seus corpos a suas identidades de gênero, que poderiam ter sido evitados se tivessem obtido o bloqueio hormonal da puberdade, como desejavam ter obtido (obviamente, isso jamais seria imposto a uma criança que não o desejasse e não estivesse acompanhada de pais/ mães/responsáveis e a equipe multidisciplinar em questão). Logo, não há prejuízo nenhum decorrente do bloqueio hormonal da puberdade de crianças e na hormonização a adolescentes a partir dos 16 anos (quando se tornam relativamente capazes para os atos da vida civil e podem, assim, participar de forma mais ativa das decisões sobre suas vidas), enquanto há prejuízos à saúde das pessoas trans adultas que não puderam bloquear sua puberdade. Isso resolve facilmente a ponderação fruto do princípio da proporcionalidade em favor do direito ao bloqueio hormonal em casos tais, enquanto medida adequada e necessária ao respeito a seu direito humano ao livre desenvolvimento da personalidade.
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